Adriana Calcanhotto

Tás a ver?

Estás a ver o que eu estou a ver? / Estás a ver? estás a perceber? / estás a ouvir o que eu estou a dizer? / Estás a ouvir? Estás a perceber? / Eu tenho visto tanta coisa nesse meu caminho – nessa nossa trilha, que eu não ando sozinho – tenho visto tanta coisa, tanta cena… / mais impactante do que qualquer filme de cinema / e se milhares de filmes não traduzem, nem reproduzem / a amplitude do que eu tenho visto / não vou mentir pra mim mesmo, acreditando / que uma música é capaz de expressar tudo isso / não vou mentir pra mim mesmo, acreditando / mas eu preciso acreditar na comunicação / mas eu preciso acreditar / não há melhor antídoto pra solidão / e é por isso que eu não fico satisfeito / em sentir o que eu sinto, se o que eu sinto fica só no meu peito / por mais que eu seja egoísta / aprendi a dividir as emoções, e os seus efeitos / sei que o mundo é um novelo, uma só corrente / posso vê-lo por seus belos elos transparentes / mudam cores e valores, mas tá tudo junto / por mais que eu saiba, eu ainda pergunto:

Tás a ver? A vida como ela é
Tás a ver? A vida como tem que ser
Tás a ver? A vida como a gente quer
Tás a ver? A vida pra gente viver

“…Já que a vida é feita de pequenos nadas…”

Tás a ver? a linha do horizonte / a levitar, a evitar que o céu se desmonte? / foi seguindo essa linha que notei / que o mar na verdade é uma ponte / atravessei-a e fui a outros litorais / e no começo eu reparei nas diferenças / mas com o tempo eu percebi, e cada vez percebo mais / como as vidas são iguais, muito mais do que se pensa / mudam as caras / mas todas podem ter as mesmas expressões / mudam as línguas, mas todas têm / suas palavras carinhosas e os seus calões / as orações e os deuses também variam / mas o alívio que eles trazem vem do mesmo lugar / mudam os olhos e tudo o que eles olham / mas quando molham, todos olham com o mesmo olhar / seja onde for, uma lágrima de dor / tem apenas um sabor e uma única aparência / a palavra saudade só existe em português / mas nunca faltam nomes se o assunto é ausência / solidão apavora, mas a nova amizade encoraja / e é por isso que a gente viaja / procurando um reencontro, uma descoberta / que compense a nossa mais recente despedida / nosso peito muitas vezes aperta, nossa rota é incerta / mas o que não é incerto na vida?

Refrão

A vida é feita de pequenos nadas / que a gente saboreia mas não dá valor / um pensamento, uma palavra, uma risada / uma noite enluarada ou um sol a se pôr / um bom dia, um boa tarde, um por favor – simpatia é quase amor – uma luz acendendo, uma barriga crescendo / uma criança nascendo, obrigado, Senhor / seja lá quem for o Senhor / seja lá quem for a Senhora / a quem quiser me ouvir, e a mim mesmo / preciso dizer tudo o que eu estou dizendo agora / preciso acreditar na comunicação / não há melhor antídoto pra solidão / e é por isso que eu não fico satisfeito / em sentir o que eu sinto, se o que eu sinto fica só no meu peito / por mais que eu seja egoísta / aprendi a dividir minhas derrotas, e minhas conquistas / nada disso me pertence / é tudo temporário no tapete voador do calendário / á que temos forças, pra somar e dividir / enquanto estivermos aqui / se me ouvires cantando, canta comigo / se me vires chorando, sorri.