Arnaldo Antunes

Cachimbo

Sou a madeira que sempre fico na bera
Perfume de sarro e cera
Que dança no seu beicinho
É evidente que sou preso pelos dentes
Chaminé dos inocentes
Embebedo de mancinho

Sou pau de boca de saci amajistrado,
Desejado e adorado,
Alimentado pelo fumo
Mata cachorro bem capacho distraído
Carimbado e mau vestido
Que eu num sei qual e meu rumo

Sou a birita mescla de cachaça e mel,
Cabeça seca pelo céu
Pela chama do atrito

No meu fornilho se deita qualquer tabaco
A chupada me faz fraco
Sou um verdadeiro pito

Seu pensador vê se decifra para mim
Eu já passei por tanto horror
Porque é que não morri?
Será que é só pra manter o combinado
Que pra ter um chupador
Ter que nascer um já chupado?

Tá assustado?
Tá assustado?
Tá assustado?