Antiquus Scriptum

O Adamastor

.Porém, já cinco sois eram passados
que de ali nós partíramos, cortando
os mares nunca dantes navegados
prosperamente os ventos assoprando.
Quando uma noite, estando descuidados
na cortadora proa vigiando
uma nuvem que os ares escurece
sobre as nossas cabeças aparece.

.Tão temerosa vinha e carregada
que pôs nos corações um grande medo
bramindo, o negro mar de longe brada
como se desse em vão nalgum rochedo.
"Ó potestade", disse, sublimada,
"que ameaço divino ou que segredo,
este clima e este mar nos apresenta
que mor coisa parece que tormenta?"

.O Adamastor… É o Adamastor!

.Não acabava, quando uma figura
se nos mostra no ar robusta e válida
de disforme e grandíssima estatura
o rosto carregado, a barba esquálida.
Os olhos encovados e a postura
medonha e má e a cor terrena e pálida,
cheios de terra e crespos os cabelos
a boca negra, os dentes amarelos.

.O Adamastor… É o Adamastor!

Luís de Camões (MDXXIV/MDLXXX)
in Os Lusíadas. (MDLXXI)