Arnaldo Antunes

Cidade

Cidade sem mar
Mas com montanhas de neve de isopor
Despedaçado sobre o néon amanhecido
Ruído de motor
A palavra amor no outdoor
Escrita em vermelho
Dinheiro molhado de suor
No bolso esquerdo
Trabalho, carne de baralho
Fonte do desejo alheio
Não freia, na rua passeia
E esse cão de guarda
Que não pára de latir a noite inteira
Lixo que não tem lixeiro
Na segunda-feira
Terça quarta quinta ou sexta-feira
Lixo de domingo entupindo o bueiro
Cascas de banana nas calçadas da fama
Crianças para enfeitar as praças
Mas não tem cama
Camelôs fugindo da sirene
Sob o sol a pino
O sangue da chacina
Escapou da jaula do jornal de hoje
Com a pose da sessão fashion
Cidade sem céu
Mas com paisagens portáteis
Nas janelas das celas
Nas paredes dos lares
E os turistas estragando todos os lugares